Temas Bíblicos – Setembro 2016
Chave de leitura da Bíblia (1) – Premissa
Antes de abordar os textos da Bíblia torna-se necessário ter presente o contexto histórico no qual surgiu a religião monoteísta dos Hebreus. Antes que Deus escolhesse Israel para ser o seu povo, destinado a anunciá-lo a todos os povos da terra, a humanidade praticava a idolatria, não excluídas as tribos que viriam a se constituir num reino pelo ano 1.000 a.C., na terra de Canaã. Nelas, o monoteísmo se firma pela ação dos profetas. Deles, a Bíblia nos lembra de Samuel, Elias e Eliseu, Natã, cuja memória foi perpetuada através de narrativas de episódios das suas vidas. No tempo em que se agrava a decadência moral contra a qual o Deus de Israel luta, enviando castigos admoestadores para evitar que os reinos de Samaria e de Judá cheguem a merecer a destruição, apresentam-se profetas que acabam deixando seus anúncios em escritos que até no tempo presente podemos ler: Oseias, Amós, Isaias, Miqueias.
Quando o Resto de Israel, que Deus guardou para si no momento da destruição de Jerusalém (587 a.C.), volta purificado do exílio na Babilônia, guiado pelos seus escribas, aprofunda a sua reflexão sobre as admoestações dos profetas, orienta-se para um culto exclusivo ao Deus da sua história, com o propósito de observar os seus mandamentos. Juntam-se, então, aos compêndios dos textos proféticos, compêndios de aulas catequéticas proclamadas nas sinagogas no dia do Senhor. O Êxodo pode ser considerado o primeiro deles. A lembrança do exílio sugere a narrativa da escravidão do povo de Deus que pecou. A libertação que ocorreu por causa do servo Ciro, que Deus suscitou, sugere a libertação da escravidão dos egípcios sob a lida de Moisés. Os episódios que pontuam a caminhada no deserto são narrativas catequéticas que querem motivar o povo a nunca se esquecer de obedecer ao seu Deus.
A consciência que Israel tem de ser o povo escolhido provoca a consciência, sempre estimulada pelos escritos proféticos, de ser o povo chamado a anunciar a todos os povos a salvação através de um Redentor. A reflexão sapiencial dos escribas descobre que a história de Israel é, de fato, paradigmática a esse respeito. É o início da compilação da Bíblia.
Gn 1-11 se abre com a apresentação de Deus através da enumeração dos atributos que a criação sugere: onipotência, sabedoria, beleza, bondade. Em seguida, mostra qual é a condição do homem para que viva em harmonia com o seu Criador. Com a narrativa de Gn 3, inspirada exatamente por aquilo que aconteceu a Israel que, esquecido do seu Deus, a ele se rebelou para dar ouvido à voz dos ídolos, é apresentada a condição de sofrimento em que a humanidade se encontra. Uma verdade profundamente consoladora, todavia, a conforta. O Criador, que por natureza pode ser definido como Aquele que é a Bondade, fiel a si mesmo, movido pelo seu amor, não abandonou a humanidade ao seu destino. Como aconteceu a Israel, anunciou um Redentor, que libertaria os homens da condição de miséria e escravidão em que caíram.
Enquanto, com Gn 4, é resumida a sorte da humanidade que envereda o caminho que sempre mais a afasta do Criador, com Gn 5 é lembrada a geração que continuará a invocar o nome de Deus, celebrando, reconhecida, as suas grandes obras. É ao longo desta geração que Deus suscita Noé, figura do Redentor, que dá início a uma nova humanidade. Abraão se liga a esta descendência através da genealogia de Sem.
Gn 1-11, prefácio de toda a Bíblia, acaba de nos colocar diante do grandioso plano que Deus está realizando em favor do homem. Movido pela sua misericórdia, revela toda a sua glória através da descendência da Mulher, que Isaias anunciou. O filho que dela nascerá, exatamente como Mt 1,18-23 ressalta, será o Emanuel, que, de José, receberá o nome de Jesus (Ieshuah=Iahweh é Salvação), “porque salvará o seu povo dos seus pecados”.
Pe. Fernando Capra