Temas Bíblicos – Outubro 2016
Chave de leitura da Bíblia (2) – Gn 1-11: Sua estrutura teológica
A Bíblia, quando considerada segundo o seu valor literário, é uma coletânea de livros, uma antologia, compilada na esteira da tradição religiosa de Israel. Estruturada segundo uma linha teológica, ela é o nosso manual catequético, que poderíamos chamar de Antropologia revelada. O seu primeiro protagonista, todavia, não é o Homem, e sim, o seu Criador, de quem a Bíblia apresenta o Plano, o Desígnio de tornar o homem “seu filho adotivo”. Este Plano se realiza num contexto de redenção porque o homem, em lugar de viver a sua vocação, qual é aquela de reconhecer a sua dependência do seu Criador e a ele prestar o culto da sua obediência, envereda o caminho da rebeldia que, por si, o levaria à morte, pelo processo da autodestruição. Diante da rebeldia do homem, Deus, fiel a si mesmo, por livre determinação da sua vontade, eleva o homem à participação da sua vida através de um Redentor. Este Plano é, profeticamente, anunciado ao longo da história de Israel, o povo que Deus escolheu para que os homens reencontrassem o seu Deus, através da escuta do seu Plano de salvação.
O nosso manual catequético, que é a Bíblia, apresenta a realização do Desígnio de Deus dentro de uma moldura cronológica, a partir da criação. Gn 1 é uma proclamação poética das obras da criação que visa promover, no homem, a primeira das suas condições de realização: o reconhecimento da sua dependência do seu Criador, motivada pela contemplação das obras da criação. Gn 2, em seguida, estabelece a regra fundamental para que o homem viva corretamente a sua condição: a obediência, pela observância dos mandamentos.
A rebeldia é descrita através de uma alegoria que adota, como paradigma, a história de Israel que, esquecido da aliança com o seu Deus, enveredou o caminho da idolatria, do crime, da devassidão e da prepotência, a ponto de merecer ser destruído. Não tivesse Deus tido misericórdia, nem sequer um Resto dele ficaria. Deus, na sua misericórdia, revela, então, a Israel que a humanidade conhecerá um Redentor, um membro seu, que, como nos lembra São Paulo: “chegada a plenitude dos tempos, nasceu de mulher… para que nós recebêssemos a adoção filial” (Gl 4,4).
A narrativa do dilúvio, inspirada pelo que aconteceu a Judá com a deportação para Babilônia, está ali para lembrar o que espera o homem, caso não alcance a salvação que Deus oferece através do “Filho do Homem”, cujo tipo é Noé. É Jesus que disto nos adverte quando anuncia o fim dos tempos: “ Como o relâmpago sai do oriente até o ocidente, assim será a vinda do Filho do Homem. Quando disserem ‘paz e segurança’, então será o fim, como nos tempos de Noé, até que ele entrou na arca” (Mt 24,27).
À luz de tudo o que nos diz a Revelação, que se tornou plena com a glorificação de Jesus pela sua ressurreição e ascensão, é verdade que Deus não quer a morte do pecador, mas que se salve e viva (Ez 18. Fica, todavia, claro, pelo ensinamento de Jesus, que um perecimento definitivo espera todos aqueles que não dão a sua adesão de fé àquele que restabeleceu a Aliança de Deus com a humanidade (cf. Jo 3,18).
Pe. Fernando Capra