QUAL É A COR DO BRASIL?
Durante muito tempo a escravidão no Brasil só era lembrada em 13 de maio, data da abolição da escravatura, que em 1888, após muito sofrimento e sangue derramado, se confirmou, libertando os negros das condições desumanas em que viviam na época, por volta do século XVI. Ao longo do tempo, conforme alguns movimentos foram amadurecendo e se engajando na luta pela consciência da cultura do seu povo na formação do Brasil, a data de 20 de novembro foi instituída como o “dia nacional de Zumbi e da Consciência Negra”. A escolha foi feita em memória do líder Zumbi dos Palmares, que se consagrou como símbolo da luta e resistência dos negros escravizados em mais de 300 anos de exploração desumana, castigos físicos, torturas e mortes.
Por isso o mês de novembro é marcado por inúmeros eventos da sociedade civil, não somente pela importância da figura de zumbi para a história do nosso país, mas por resgatar a memória da luta de um povo pelos princípios de liberdade, igualdade e dignidade, valores que constam na declaração universal dos direitos humanos, mas que ainda hoje, em pleno século 21, caminham a passos lentos. Mas, será que hoje, mais de um século após a abolição da escravatura, já conquistamos de fato uma sociedade igualitária, ou ainda carregamos a herança silenciosa e banalizada de uma desigualdade com diferentes instrumentos de exploração?
De fato, com o passar dos anos obtivemos conquistas que possibilitaram maior inserção na esfera política e econômica, como a criação do estatuto da igualdade racial, que visa à promoção da igualdade de oportunidades, o combate à discriminação e demais formas de intolerância étnica, além de importantes conquistas na área da educação, onde o ensino da cultura afro-brasileira passou a fazer parte do calendário escolar das escolas de todo o país em 2003. Mas, apesar da importância das políticas públicas e ações afirmativas conquistadas ao longo do tempo, o Brasil ainda sofre os efeitos latentes do racismo, especialmente entre moradores de favelas, periferias e comunidades quilombolas. Negar esse preconceito racial é ignorar dados alarmantes que colocam em cheque a democracia racial no Brasil, engrossando as estatísticas da desigualdade, cuja face mais nociva está refletida na realidade de pobreza e exclusão de boa parte dos afrodescendentes.
Segundo pesquisas do IBGE, em 2004, 73,2% dos mais pobres eram negros, patamar que aumentou para 76% em 2014. Esse número indica que três em cada quatro pessoas que estão na parcela dos 10% mais pobres do país são negras. Em outra constatação a relatora especial das Nações Unidas sobre questões de minorias, Rita Izsak, apresentou ao Conselho da ONU suas avaliações sobre a conjuntura brasileira, onde cerca de 23 mil jovens negros, entre 15 e 29 anos, morrem por ano, muitos dos quais são vítimas de violência pelo Estado. Nas informações de Rita, no Rio de Janeiro quase 80% das vítimas de homicídios associados a intervenções da polícia são negros. Ela ainda destacou que, no Brasil, os negros respondem por 75% da população carcerária, por 70,8% dos 16,2 milhões de brasileiros vivendo na extrema pobreza e por 80% dos analfabetos. Os salários médios dos negros no Brasil chegam a ser 2,4 vezes menores do que os recebidos por cidadãos brancos e de origem asiática. Estudos ainda mostram que 64% deles não completaram a educação básica e tem mais chances de serem parados pela polícia. Em 2013, 66% a mais de mulheres afro-brasileiras também foram mortas na comparação às mulheres brancas. Segundo relatório da ONU publicado em 2014, “o Brasil não pode ser chamado de democracia racial, mas é caracterizado por um racismo institucional, em que hierarquias raciais são culturalmente aceitas.”
Mais importante do que cobrar atitudes de respeito, é não naturalizar sentimentos de racismo, não nos confortarmos diante de um cenário em que negros sejam minoria em todos os setores e camadas da sociedade e não permitir que a face do preconceito, ainda que velada, nos toque de forma tão feia e desigual. Qual a nossa responsabilidade diante de uma sociedade que precisa lutar para ter direitos de igualdade racial, quando estes deveriam ser inerentes à condição de vida humana? Nós seres humanos, especialmente enquanto cristãos, precisamos refletir sobre a educação que estamos dando aos nossos filhos, precisamos ser bons exemplos de representatividade na vida deles, nos comprometendo com a construção dos seus valores para uma sociedade sensível às dificuldades alheias.
A caminhada é longa, especialmente para os que sofrem diariamente na pele as consequências da desigualdade, mas é possível transformarmos essa realidade. Assim como professamos a nossa fé, devemos crer no valor da vida humana como um dom de Deus, sendo exemplos do seu amor também na prática e não somente na palavra. Deus partilha conosco um amor universal, essência que não tem cor, não tem raça, não tem condição. É livre, é natural, é sem distinção! Que este sentimento possa nos misturar e não segregar. Nossa cor é verde e amarela, mas é também negra, branca, parda! Que este sentimento pulse forte em nossos corações e estampe sua beleza em nossos tons de pele, de um povo plural e miscigenado, especial em seus carismas e dons, criado a imagem e semelhança de Deus.
Luciana Guimarães
Pascom Loreto