Intolerância Religiosa
A pluralidade das religiões está presente desde o processo de colonização do Brasil, há mais de 500 anos, quando diferentes povos, entre indígenas, portugueses, africanos e outros imigrantes, conviveram e integraram seus diversos elementos culturais, contribuindo para a formação cultural brasileira. Nosso país recebeu múltiplas influências, uma riqueza de sabedoria, costumes e manifestações, resultados da miscigenação de diferentes grupos étnicos. Com o objetivo de catequizar a população nativa das terras recém descobertas por Cabral, movimentos de cunho religiosos foram se desenvolvendo. Entretanto, conforme foi se consolidando o enraizamento do catolicismo na tradição brasileira, tida como oficial no espaço colonial, foi se estabelecendo também forte intolerância com crenças e modos de cultuar de outros povos, especialmente dos indígenas e das religiões de matrizes africanas, nos âmbitos social e político.
A conduta dos pastores, padres, dirigentes espirituais, entre outros, não somente através do discurso que propagam, mas especialmente nas atitudes, é de suma importância devido ao impacto que causam em seus seguidores, visto que os mesmos moldam o pensamento de muitos fiéis por serem figuras públicas no meio religioso, portanto, formadores de opinião. Segundo dados recentes do relatório da comissão de combate a intolerância religiosa, das cerca de mil denúncias de intolerância registradas no Rio de Janeiro nos últimos quatro anos, mais de 70% foram de crimes praticados contra religiões de matriz africana. O coordenador do Relatório de Intolerância Religiosa, Babalawô Ivanir dos Santos, ressaltou que os dados – coletados nacionalmente de dez fontes distintas – não dialogam, o que evidencia a ausência de uma base nacional de informações sobre casos de intolerância religiosa. “Não temos dados consolidados, embora sejam muito representativos e mostrem que os casos não são isolados. Mas precisamos de uma política nacional para combater esse problema, pois acredito que os dados estejam subestimados, muitos casos não chegam até nós”.
Em todo o Brasil, de acordo com a Secretaria de Direitos Humanos, entre 2011 e 2015, foram registrados 697 casos de intolerância religiosa, denunciados pelo Disque 100. Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais encabeçam a lista de denúncias, com 131, 128 e 64 casos, respectivamente. Já os registros da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) revelam que os pardos e negros são as principais vítimas de intolerância religiosa, com 34,66% dos casos; os brancos foram vítimas em 22,38% das denúncias.
O fato da religião estar atrelada as políticas de diversos nomes da República do Brasil, fere gravemente a laicidade do estado. Alguns deputados federais demonstram através das suas propostas o predomínio do caráter religioso, inclusive, no ano de 2015 uma proposta de trazer a religião evangélica para a análise de projetos da lei tramitava na câmara dos deputados. Medidas como essas favorecem preferências religiosas em detrimento de outras, contribuindo com a intolerância a outras religiões.
A intolerância religiosa é um problema sério no Brasil, por isso medidas que visem extingui-la tornam-se urgentes. Ministério da Cidadania e da Cultura, juntamente com a indústria audiovisual, devem desenvolver ideias que visam a promoção da diversidade religiosa, com diálogo e respeito as diferentes crenças. Também cabe ao legislativo a criação de leis em âmbito nacional, estadual e municipal, estipulando penas para o descumprimento das mesmas. Porém, acima das leis e projetos do homem, está a nossa consciência humana.
Em recente coluna de Frei Beto, intitulada “É melhor ser ateu? ”, ele ressalta palavras do Papa Francisco em época de quaresma, falando sobre a importância de um profundo exame de consciência em uma sociedade que prioriza a competitividade e não a solidariedade. Entre outras coisas, Francisco fala que a fé deve resultar em frutos de justiça, que os cristãos devem encarar os ateus como pessoas boas se estes praticam o bem, ressaltando a dimensão teológica sonegada na tradição cristã devido ao individualismo moderno: o pecado social. Não é a fé que define nossas convicções, nosso caráter, nosso sentido de vida. É o amor. “E quem ama conhece a Deus”, diz a carta do apóstolo João. E podemos acrescentar: ainda que nele não creia. “ Nem todo aquele que diz “Senhor, senhor” entrará no Reino dos Céus, e sim quem põe em prática a vontade de meu pai” (Mateus 7, 21).
Deus é único, e como pai quer que seus filhos se resgatem mutuamente, jamais permitindo que o etnocentrismo de alguns indivíduos ou grupos os conduza a segregar. Os diversos saberes devem abrir espaço para que as diferenças sejam pacíficas, respeitosas e engrandecedoras. Deus é partilha, é comunhão, é piedade e amor. ” Enxerguemos, respeitemos e honremos o outro como um dom da vida humana, portanto, como um filho amado de Deus, independentemente da fé que ele professa, ou mesmo da falta dela. “Lázaro ensina-nos que o outro é um dom. A justa relação com as pessoas consiste em reconhecer, com gratidão, o seu valor. O primeiro convite que nos faz esta parábola é o de abrir a porta do nosso coração ao outro, porque cada pessoa é um dom, seja ela o nosso vizinho ou o pobre desconhecido. ”
Toda forma de intolerância deve ser repudiada. Vale a leitura da conclusão dos estudos sobre este tema, no documento sobre Liberdade Religiosa – Sumário Executivo 2016, em ais.org.br
Luciana Magalhães
Pascom Loreto