Fé e Política – Outubro 2016
Utopia
Refletir sobre utopia é algo bonito, pois nos remete ao futuro enchendo-nos de esperança. A nossa sociedade, tão carente de valores coletivos, vive uma crise que eu tomei a liberdade de batizar com o nome de “crise da privatização dos sonhos”.
A “minha” carreira, o “meu” salário, o “meu” carro, a “minha” casa estão, infelizmente, ganhando cada vez mais espaço em detrimento do “nosso” emprego, da “nossa” cidade, do “nosso” estado e do “nosso” país. Poucos, infelizmente, são motivados a colocar o “bem comum acima de tudo” na luta cotidiana da vida.
A sociedade moderna, que está conseguindo se destruir pela imposição desse fenômeno do individualismo e do egoísmo, está doente. É preciso, urgentemente, de um remédio. De uma solução. E ela não virá de políticos, líderes globais, empresariais ou personalidades, mas virá do coletivo. Virá dos verdadeiros valores de uma sociedade plural e voltada para o coletivo que conseguirmos semear em nossos filhos. Mas, para isso, precisaremos de coragem. Coragem de dizer a eles – aos nossos filhos – que fazer o que se gosta é infinitamente melhor do que fazer o que se “ganha mais”. Ensiná-los a romper com as amarras desses malditos “contra-valores” pautados no consumismo desenfreado do “ter” que está destruindo o “ser”. As amarras da cultura de morte. Dos padrões impostos em nossa sociedade onde, infelizmente, quem não está neles está “fora de moda”, “desatualizado” ou “ultrapassado”.
Talvez por isso que haja tanto ódio no mundo pelo “diferente”. Intolerância pela cultura do diferente. É um absurdo achar que a cultura do outro é pior do que a nossa quando, na verdade, ela é apenas diferente. Paulo Freire – Patrono da educação no Brasil, autor brasileiro mais lido nas universidades americanas e o brasileiro mais homenageado no mundo – dizia que compreender a cultura do outro, respeitando-a acima de tudo, é algo indispensável nas relações humanas. Certo dia, em uma de minhas aulas de pré-vestibular comunitário, em uma comunidade pobre no Rio de Janeiro, uma senhora afirmou ter vergonha da pouca cultura dela. Disse-me isso depois de uma palestra onde um médico, a meu convite, ensinava sobre a importância da higiene na preparação dos alimentos. Naquele momento, recordando de um ensinamento que aprendi com o Frei Beto, eu chamei o médico para participar da conversa e perguntei a ele como fazer uma galinha ao molho pardo. Ele afirmou bastante constrangido, que não fazia a menor ideia, pois nunca havia cozinhado na vida. Logo em seguida, eu me dirigi para essa senhora, aluna do projeto na comunidade e uma exímia cozinheira, e perguntei se ela sabia como prepara a tal galinha ao molho pardo. Ela deu uma verdadeira aula de culinária para todos nós que estávamos ali – inclusive o médico. Ficamos com água na boca. Ao final de sua explicação, eu disse a ela: “D. Maria, se eu estivesse em um navio afundando e precisasse escolher alguém para ficar comigo no bote salva-vidas que teria como destino uma ilha deserta onde o único alimento disponível fosse uma galinha viva, certamente essa pessoa não seria o nosso amigo médico que acabou de dar essa palestra, mas a senhora”. Depois desse episódio, D. Maria percebeu o seu valor. Ela se sentiu valorizada em função, exatamente, da sua cultura. E aquela minha turma aprendeu que não há melhor ou pior cultura: há apenas culturas diferentes.
O exemplo acima, assim como muitos outros que poderiam consumir linhas e parágrafos de reflexão, é uma prova cabal sobre a necessidade do choque de valores que a nossa sociedade necessita. Precisamos de empresas, funcionários (as) e membros de uma sociedade onde as diferentes culturas precisam ser valorizadas e respeitadas. Sei que é muito difícil essa mudança, mas podemos e devemos tentar alcançar essa utopia mantendo acesa em nossa alma à chama da esperança.
Para terminar, vou deixar aqui uma pequena, porém profunda, reflexão que vivenciei durante uma conversa que tive com um amigo meu que é médico. Perguntado por mim sobre como ele enfrenta a possibilidade da perda, na morte de seus pacientes, ele disse que não tem medo de enfrentar a questão da morte do ser humano, mas o que o apavora é quando ele se vê obrigado a enfrentar os pacientes que trazem em si a morte, no fundo de suas almas, da esperança.
(*) Robson Leite é professor, escritor, membro da nossa paróquia, Ex-Superintendente Regional do Ministério do Trabalho e Emprego no RJ e foi Deputado Estadual de 2011 a Janeiro de 2014.
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