Fé e Política – Maio 2019
“Sexta-feira da paixão. Celebração do Senhor morto”
O divino e o humano de Jesus aparecem com grande intensidade no momento em que nós, cristãos, recordamos a Sua paixão e morte na Semana Santa. O mesmo Jesus que no Evangelho de Mateus, capítulo 25 versículos 31 a 46, coloca o seu rosto no rosto do pobre, do miserável, do oprimido e do marginalizado. Aliás, nunca é demais lembrar que essa passagem é o centro do Evangelho, conforme nos lembrou recentemente o Papa Francisco.
Na mesma sexta-feira da paixão desse ano foi enterrado no cemitério do Caju o catador Luciano Macedo, 27 anos, casado e que se tornaria pai daqui a cinco meses. Pobre, desempregado e catador, Luciano foi morto por tentar salvar a família fuzilada com oitenta tiros pelo exército brasileiro. Salvou uma criança de sete anos, mas ao tentar chegar próximo do corpo do músico e pai da família baleado mortalmente pelo exército, recebeu três tiros. Foi socorrido e levado para o hospital, mas não resistiu e veio a óbito em plena Quinta-feira Santa.
Jesus nasceu muito pobre. Sua família era refugiada e nem uma casa para nascer tinha. Seus pais bateram de porta em porta e todas negaram hospedagem a uma mulher grávida acompanhada de seu marido. Até que em uma das muitas tentativas de buscar abrigo, foi permitido que eles ficassem no estábulo, junto aos animais. E foi lá que o Rei dos Reis nasceu. Pobre e em meio à miséria de uma família refugiada e sem teto. Não foi apenas o nascimento de Jesus que teve um forte componente social, mas a sua morte também. Afinal, Jesus não morreu atropelado por um camelo em uma esquina de Jerusalém ou em decorrência de uma doença grave ao final de sua vida. Ele morreu por ter incomodado o estado opressor e tirano de Sua época. Um estado que o torturou e matou. Era a regra do poder imperial daquele tempo. Oprimir e, se necessário for, torturar e matar os pobres e os que incomodassem o Império Romano.
Luciano queria construir um barraco para a sua família próximo ao exército. Acreditava que assim estaria seguro. Seu filho iria nascer esse ano e aquela era a escolha ideal. Tinha carteira de trabalho, mas estava desempregado. Vivia de biscates e como catador. Luciano foi morto com três tiros e por enfrentar aquele que achava que o protegeria. E só o fez para salvar a vida de uma família que levava 80 tiros exatamente do exército brasileiro. Do estado brasileiro. De quem deveria proteger e não oprimir.
Na época de Jesus, assim como hoje, havia pessoas que defendiam a tortura e a morte. Que estavam preocupadas apenas com os seus privilégios e a sua riqueza. Algumas, daquela época, chegaram a procurar Jesus e falar sobre “como alcançar a vida eterna” e a “salvação”. Jesus sempre respondeu de forma dura e contundente a essas pessoas. Foi assim com o Sumo Sacerdote do Evangelho de Lucas na passagem do Bom Samaritano e com o jovem rico onde Ele pede para que esse jovem dê tudo o que tem aos pobres. E os desfechos sempre são muito difíceis para esses ricos, a ponto de Jesus afirmar que “é mais fácil um camelo passar num buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus”. Já os pobres, por sua vez, pediam coisas imediatas e sociais: a perna que não anda, o olho que não enxerga ou a volta do irmão que partiu para a vida eterna. E Jesus sempre foi misericordioso com essas pessoas.
A nossa sociedade não é muito diferente daquela da época de Jesus. Muitos continuam tentando criminalizar os pobres ao achar que quem mora na favela pode tomar tiros e ser humilhado. Que bandido bom é bandido morto e que o jovem que está agora com um fuzil na mão teve todas as oportunidades do mundo para escolher entre ser médico, dentista, advogado ou professor, mas acabou escolhendo, “livre e conscientemente”, ser traficante. Esse segmento da nossa sociedade certamente estaria do lado dos que condenaram Jesus. Dos que pediram a sua crucificação. A única diferença seriam os gritos. Ao invés de “crucifica”, gritariam “bandido bom é bandido morto”.
A ressurreição, para nós Cristãos, é o centro da nossa fé. Assim como veio para Jesus Cristo na Páscoa, ela virá para nós. Esperamos também que venha para a nossa esperança, tão sofrida e combalida com os dias atuais. Afinal, não tem sido nada fácil nos dias de hoje construir o Reino de Justiça e Paz aqui na terra.
(*) Robson Leite é professor, escritor, membro da nossa paróquia, Ex-Superintendente Regional do Ministério do Trabalho e Emprego no RJ e foi Deputado Estadual de 2011 a Janeiro de 2014.
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