Fé e Política – Junho 2019
“Capitalismo selvagem é pleonasmo”
O capitalismo moderno, que possui suas bases no liberalismo econômico de Adam Smith onde o deus mercado está acima de tudo e de todos e que o estado precisa ser mínimo para não intervir nessa lógica mercadológica, está em crise. O consumismo desenfreado, que aprofunda a desigualdade e consequentemente o aumento da pobreza e da violência nos países pobres, é o sustentáculo da sobrevivência desse modelo. Não quero propor, através dessa reflexão, um novo modo de funcionamento do estado ou anunciar o fim do capitalismo, mas alguns elementos dessa crise nos conduzem a uma análise importante do que está acontecendo no mundo.
“Consumismo: o alimento do problema”
Há alguns anos, ao me dirigir para ministrar uma palestra em uma comunidade pobre e esquecida pelo poder público aqui no Rio de Janeiro, encontrei com um ex-aluno meu que, infelizmente, havia ingressado no tráfico de drogas. Ao vê-lo, questionei sobre os motivos que o levaram a essa triste decisão. Ele, de cabeça baixa e sem ter muito que dizer, falou-me que o seu desejo era ter um “carrão” igual ao de um famoso cantor popular que aparecia na televisão. Aquilo me marcou profundamente, principalmente porque ao assistir recentemente a um comercial televisivo em horário nobre, eu vi o anúncio de um carro de quase duzentos mil reais onde se passava a mensagem que dentro dele todos os problemas da vida moderna ficariam do lado de fora e aparentariam não mais existir. Quantas pessoas podem comprar um carro naquele valor hoje no Brasil? Menos de 1%, segundo os dados econômicos de concentração de renda e riqueza divulgado nesse ano pela FGV e que apontam que, lamentavelmente, atingimos o maior patamar de concentração de renda da nossa história. Qual o objetivo então desse comercial em horário nobre, uma vez que apenas um público muito restrito poderá adquirir um bem desse valor? Quantos jovens nossos, ao assistir um comercial desses, serão influenciados por essa mensagem? Será que não foi esse tipo de “propaganda enganosa” que influenciou o meu aluno a ingressar no tráfico de drogas? Até quando a própria sociedade será responsável pela sua destruição nessa busca incansável e insaciável pelo “ter”?
“Sociedade moderna versus as primeiras comunidades cristãs”
Os países de primeiro mundo já investiram,ao longo das históricas crises do capitalismo nos últimos anos, – e pelo que parece continuarão a investir – bilhões de dólares em pacotes econômicos para salvar “bancos privados” com dinheiro público a fim de saciar a “fome” desse famigerado mercado de capitais. Por outro lado, a miséria, a AIDS, a verdadeira fome e o trabalho escravo continuam matando milhares de pessoas na África, na América Latina e, no período mais recente, no Brasil. Tudo como consequência da falta de investimentos públicos nas áreas sociais. Enquanto isso, nós ficamos anestesiados, passivos e inertes assistindo a tudo isso. Já está passando da hora de revermos essa lógica perversa do mercado consumista que invade as nossas vidas e os nossos lares sem pedir licença e nos afastando, a cada dia, dos valores deixados pelo Cristo em seu Evangelho. Nunca é tarde para lembrar o livro dos Atos dos Apóstolos, onde fica evidente que as primeiras comunidades cristãs partilhavam tudo entre si e, dessa forma, impediam o surgimento da indigência entre eles. É sempre bom lembrar que esse livro fala de “atos” e não de discursos. Até porque, os discursos convencem, mas são as atitudes que arrastam e convertem.
“A nossa atitude é a chave da mudança”
Precisamos começar a mudança a partir da nossa casa e da nossa família. Construir a nossa atitude sobre valores verdadeiramente cristãos e, acima de tudo, rever a nossa escala de valores, principalmente quando estamos com os nossos filhos, é um bom começo. Questionar se realmente precisamos daquele carro novo, daquele celular novo ou de uma roupa nova também é um bom caminho. O consumo sustentável e equilibrado não é apenas uma moda, mas uma necessidade para revertermos um pouco esse quadro selvagem e perverso provocado pelo capitalismo. Pode até ser que não conseguiremos mudar o mundo, mas, dessa forma, certamente evitaremos que o mundo nos mude.
(*) Robson Leite é professor, escritor, membro da nossa paróquia,Ex-Superintendente Regional do Ministério do Trabalho e Emprego no RJ e foi Deputado Estadual de 2011 a Janeiro de 2014.
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