Fé e Política – Fev2019
“Flores sobre as correntes?”
*Robson Leite
Ao final de uma aula de cultura e cidadania em um pré-vestibular comunitário onde sou professor, um aluno me questionou sobre a famosa afirmação de Karl Marx: “a religião é o ópio do povo”. Esse aluno fez essa indagação baseado em uma colocação minha de que é impossível ser Cristão sem se preocupar com as questões ligadas à injustiça social no nosso país, suas causas e suas consequências. A nossa rápida conversa foi um momento muito especial para mim e, exatamente por isso, faço questão de trazê-la para a reflexão da nossa coluna de Fé e Política deste mês.
Essa frase, muito conhecida no mundo político e principalmente na Sociologia, está associada em uma tese de Karl Marx onde ele faz uma crítica bastante contundente à atuação da religião, em especial da igreja Católica e do Cristianismo no combate às desigualdades sociais. Essa sua colocação toma por base que a Igreja, neste caso a instituição e por consequência disso a Igreja “povo”, funcionariam como uma espécie de instrumento perpetuador da opressão e da exploração da elite burguesa no final do século XVIII e início do XIX. Essa característica, de acordo com Marx, acabaria se tornando fruto de uma visão alienadora e pautada na resignação onde a atuação da Igreja se restringiria a uma espécie de “Flores sobre as correntes”, ou seja, bálsamo para aliviar e suportar os sofrimentos causados com a opressão e a exploração das classes e elites dominantes daquele século. Era como se Deus fosse apenas senhor dos céus enquanto as elites da época dominavam e exploravam a terra.
Pode até ser que a Alemanha do início do século XIX vivesse uma realidade onde as ideias de Marx sobre a atuação da Igreja fossem verdadeiras. Entretanto, o grande erro do pensamento Marxista é achar que esta ideia pode ser generalizada para todas as épocas e sociedades. A Igreja pós-conciliar é um excelente exemplo para contradizer isso. A ação do Papa João XXIII, iluminado pelo Espírito Santo ao convocar o Concílio Vaticano II, resgatou a visão e a atuação da Igreja para um mundo socialmente doente e excludente e não apenas para o céu. Jesus Cristo veio para os pecadores, para os homens do mundo e para resgatar e libertar o seu povo da opressão. Cabe aqui recordar as diversas passagens bíblicas que fundamentam a visão e a atitude de João XXIII, como o capítulo 25 do Evangelho de São Mateus, quando perguntam a Jesus quem se salvará e ele responde que não serão os ricos, os afortunados, os Sacerdotes e Doutores da lei que compunham as elites do seu tempo, mas sim aqueles que amam verdadeiramente aos seus irmãos menores. Aqueles que vêem o rosto de Deus no rosto do irmão excluído são os que ganharão o “Reino dos Céus”. Aliás, não é apenas o Concílio Vaticano II que busca esse resgate, mas todos os documentos que compõem a Doutrina Social da Igreja como as encíclicas Rerum novarum (Leão XIII), Populorum progressio (Paulo VI), Centesimus annus (João Paulo II) entre outras.
A grande reflexão que fica para nós é que são as elites políticas que tentam fazer, inclusive nos dias atuais, da religião o ópio do povo, pregando, conforme dissemos anteriormente, um deus apenas senhor dos céus enquanto ela se apodera da terra através da opressão e da exploração neoliberal que causa tanta fome e miséria, principalmente na África, na Ásia e na América Latina. O Deus da nossa fé é aquele que se encarna em Jesus Cristo e assume a libertação dos oprimidos. Cabe a nós, cristãos, provar com a nossa atitude que a afirmação de Marx, talvez válida para a Alemanha do seu tempo, não é verdadeira para o Cristão de hoje. Somente assim, através da nossa atitude reveladora da Palavra de Salvação do nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, colocando em prática o seu mandamento do amor, é que conseguiremos definitivamente trazer o Reino de Justiça e Paz prometido por Ele para nós.
(*) Robson Leite é professor, escritor, membro da nossa paróquia, Ex-Superintendente Regional do Ministério do Trabalho e Emprego no RJ e foi Deputado Estadual de 2011 a Janeiro de 2014.
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