Fé e Política – Fev2018
“A falência do sistema carcerário. O que fazer?”
A crescente onda de violência que vem assolando as grandes cidades brasileiras nos últimos anos e que ganha, a cada dia, um espaço cada vez maior na mídia e na preocupação da nossa sociedade nos conduz a uma reflexão muito séria e importante: qual deveria ser o verdadeiro papel do sistema carcerário brasileiro?
Boa parte da sociedade, movida na maioria das vezes pela comoção e pelo medo, considera que o aumento na repressão e na punição são as chaves para a solução da violência. Entretanto, os dados oficiais e os estudos dos principais órgãos, universidades e institutos que pesquisam e trabalham com segurança pública demonstram que essa sensação é apenas aparente. Vejamos, por exemplo, o caso claro dos números no Estado de São Paulo entre as décadas de 1980 e 1990: durante o governo Montoro (1983-86) a Polícia Militar matou uma pessoa a cada 17 horas enquanto que na grande São Paulo ocorreram 2140 homicídios no mesmo período; no governo Quércia (1987-90) o índice de mortes cometidas pela repressão da Polícia Militar manteve-se igual, e o número de homicídios durante os quatro anos chegou a 7051; no governo Fleury (1991-94) a Polícia passou a matar uma pessoa a cada 6 horas, enquanto que o número de homicídios saltou para 8101. Esses dados demonstram uma falta de correspondência entre o aumento da repressão policial e a diminuição do número de crimes de homicídio. Por outro lado, ao analisarmos o perfil destas mortes, perceberemos que 65% destas vítimas nunca cometeram crime algum e cerca de 80% eram negros ou migrantes pobres. (Fonte: Livro Rota 66 do Jornalista Caco Barcellos e o IBGE – último Censo Demográfico Brasileiro).
Ao fecharmos os olhos para este problema, nós empurramos a sujeira para baixo do tapete. E este tapete, amigos leitores, está quase explodindo.
Outro dado extremamente relevante e, ao mesmo tempo preocupante, é o perfil da população carcerária nacional: a sua grande maioria, ou seja, mais de 90%, é composta por negros, negras, migrantes e pobres que cometeram um crime de roubo. O mais triste nisso tudo é que a reincidência para estes casos é superior a 70%. Isso demonstra que estamos diante de um grave cenário excludente da população carcerária, uma vez que depois de saírem da “universidade do crime” – os presídios e penitenciárias – os ex-presidiários não encontram emprego ou oportunidade digna na sociedade. A violência é, sem sombra de dúvidas, consequência da miséria e da pobreza alimentada pela falta de oportunidades, principalmente para os jovens (a maioria da população carcerária citada nos dados acima é composta por jovens entre 18 a 25 anos). Precisamos, urgentemente, cuidar dos nossos jovens antes que o tráfico o faça. Atuar na prevenção é, sem sombra de dúvidas, uma das urgências, entretanto, não podemos esquecer da população carcerária. Ao fecharmos os olhos para este problema, nós empurramos a sujeira para baixo do tapete. E este tapete, amigos leitores, está quase explodindo. Será que privilegiamos, junto aos nossos parlamentares, as cobranças das propostas de inclusão e resgate das populações carcerárias que tramitam eternamente no congresso, como a criação de renúncias fiscais para as empresas que contratarem ex-detentos, ou caímos nas “armadilhas” do discurso raso, fácil e ao mesmo tempo pecaminoso de que “bandido bom é bandido morto”? Será que realmente estamos dispostos a colocar em prática o “amor ao próximo” pregado por Jesus Cristo quando ele se coloca no lugar do preso e do marginalizado cobrando a nossa atitude de visita e atenção? (Mt 25: “Estive preso e foste me visitar”). O mesmo Jesus Cristo que foi morto por ser considerado um bandido pelo Império Romano e foi crucificado entre dois ladrões dando de presente a um deles a salvação momentos antes de sua morte.
Precisamos ter a coragem de resolver o problema de frente, sem “quebra-galhos” e engodos das atitudes “repressivas” que violam cada vez mais os Direitos Humanos, tão claramente defendidos no Evangelho, na Doutrina Social da Igreja e muito bem aprofundado na Campanha da Fraternidade desse ano: Fraternidade e superação da violência.
A mudança está em nossas mãos. Ou mudamos a nossa atitude para que todos nós, membros desta sociedade, passamos a ser agentes da transformação cobrando atitudes e políticas inclusivas dos nossos governantes, sobretudo para a população carcerária, ou ficaremos chorando na frente da televisão assistindo, passivos e inertes, ao sepultamento da nossa sociedade, cada vez mais distante da tão sonhada civilização do amor.
Robson Leite é professor, escritor, membro da nossa paróquia, Ex-Superintendente Regional do Ministério do Trabalho e Emprego no RJ e foi Deputado Estadual de 2011 a Janeiro de 2014.
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