Espaço Teológico – Carta Encíclica Laudato Si’
Michele Amaral
Bacharel em Teologia
Nesse mês de julho iremos conversar um pouco sobre a mais nova Carta Encíclica do Papa Francisco. Antes de começarmos a falar sobre ela irei explicar o que consiste uma Carta Encíclica.
A Carta Encíclica é um documento do Papa, uma espécie de carta circular. Quando ela fala de temas morais ou doutrinais, é dirigida aos bispos de todo o mundo e, por meio deles, a todos os fiéis, enquanto quando tratam de questões políticas, econômicas ou sociais, são dirigidas, normalmente, não só aos católicos, mas também a todas as pessoas.
A Laudato Si’, trata de ecologia e do cuidado da “casa comum”, ou seja, o nosso planeta terra. O Papa iniciou sua encíclica com um canto de São Francisco de Assis, Laudato Si’ mi Signore – “Louvado sejas, meu Senhor”, que louva a Deus recordando que a nossa casa comum pode ser comparada, ora a uma irmã, ora a uma mãe. E o papa nos lembra que a terra agora oprimida e devastada “geme e sofre as dores do parto” (Rm 8,22).
Começa nos lembrando que nosso corpo é formado pelos mesmos elementos que constituem o planeta: a argila, da qual Deus formou Adão, a água que mata a sede, o ar que enche nossos pulmões e nos mantém vivos. Somos terra, argila sobre a qual é soprado o espírito divino que anima e inspira. Devido a isso devemos viver uma ecologia integral, como foi a vivida por São Francisco de Assis. As identidades humanas e natural se entrelaçam e interagem, logos todas as criaturas e coisas criadas devem ser tratadas e chamadas de irmãos e irmãs.
Mesmo diante dessa visão maravilhosa da criação, onde o amor é a razão fundamental desta, onde somos colocados para cuidar com carinho e atenção, temos que ficar alertas com as atitudes de consumismo predatório que as grandes potências e governos irresponsáveis infligem à nossa irmã terra. O Papa nos alerta que da mesma forma que lutamos pelo meio ambiente, devemos também lutar a favor dos pobres, pois a depredação do primeiro traz sofrimento ao segundo. Ele nos faz refletir como esse consumismo desenfreado gera sérios danos de saúde e uma degradação das condições de vidas das populações que em sua maioria são forçadas a emigrar, instituindo um círculo vicioso que leva à destruição das famílias e a perda fatal da qualidade de vida e da sobrevivência.
Este documento pontifício propõe uma nova ideia de progresso, onde não há uma arrogância do ser humano, que se considera no direito de agredir o planeta que habita, esquecendo que é a ‘casa comum’ de todos, mas um progresso que se preocupa com um desenvolvimento ecologicamente sustentável, que seja o ato fundante de uma nova civilização. Ele nos faz enxergar que a humanidade é uma única família humana: “criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, […] que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde” (n.89).
Nos lembra que a narrativa da criação é central para refletir sobre a relação entre o ser humano e as outras criaturas e sobre como o pecado, rompe o equilíbrio de toda a criação no seu conjunto: “Essas narrações sugerem que a existência humana se baseia sobre três relações fundamentais intimamente ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra. Segundo a Bíblia, essas três relações vitais romperam-se não só exteriormente, mas também dentro de nós. Esta ruptura é o pecado” (n.66).
De certa forma, a encíclica nos faz debruçar sobre a problemática da Criação, ou seja, nos mostra que é necessária uma tomada de consciência, por parte dos cristãos, de que o que está em jogo na questão ecológica é o futuro das relações homem-natureza-Deus, ou seja, o próprio conceito de Deus que é central ao cristianismo: Deus Pai, autor da vida, criador e salvador.
A Laudato Si’ reconhece essa dimensão de agonia que vive a criação e aponta para nossa responsabilidade em relação à terra e aos seres criados. Só pode exclamar “Louvado seja” com os olhos voltados para o alto quem olhou ao seu redor e curvou-se para cuidar da mais humilde criaturinha saída das mãos de Deus.
“No fim, vamos nos encontrar face a face com a beleza infinita de Deus e poderemos ler, com jubilosa admiração, o mistério do universo, o qual terá parte conosco na plenitude sem fim” (n.243).