Drogas – É preciso combater todos os dias
A ONU instituiu 26 de junho como o Dia Internacional de Combate às Drogas. Mas essa é uma luta que tem que ser travada todos os dias e, não só pelos usuários e seus familiares, mas por todos nós, já que nos dias de hoje, ninguém está livre de a qualquer momento ser surpreendido com um caso de dependência química na própria família ou entre os amigos.
Não há meio termo para o combate às drogas. Por mais moralista que possa parecer esse discurso, não podemos negligenciar nos cuidados e atenção com nossos filhos, pois é entre os adolescentes e jovens a prevalência do uso de drogas ‘lícitas’ e ilícitas. Os motivos que levam os jovens a usar drogas são muitos: curiosidade, influência de amigos, desejo de fuga (principalmente de problemas familiares), coragem para tomar alguma atitude (que sem o uso de “droga” não tomaria), dificuldade em enfrentar e/ou aguentar situações difíceis, busca por sensações de prazer e etc.
O consumo de álcool no Brasil, por exemplo, é 40% maior que a média mundial, segundo dados de 2015 e, é a primeira droga usada pelos adolescentes. O resultado é que 4 em cada 10 viciados em drogas, começaram com bebidas alcoólicas. Os números são alarmantes: segundo dados divulgados no LENAD – Levantamento Nacional de Álcool e Drogas de 2013 são mais de 1,4 milhão de usuários de cocaína somente na região Sudeste do Brasil, sendo 46% desses, de dependentes.
Filhos da Dor
Por: Luciana Magalhães
Só por hoje! Assim desafiam-se os filhos da dor, travando uma luta diária contra seus próprios impulsos, contra os vícios da doença maldita que lhes roubou a vida, a dignidade, o amor… Ao fim de cada dia limpo, a vida vai nascendo de novo, se tornando menos doída, cada dia é um novo desafio na reconquista do tempo perdido, da identidade há muito esquecida. Dores, insônia, ansiedade, depressão, tremores, coração acelerado, falta de concentração… Resistir à abstinência motivada pela fé, pelos rios de água viva que brotam do nosso interior, do sopro divino do amor de Cristo, do esforço para não recair, para não matar a vida de dentro de si “Tem só uma coisa que Deus não consegue fazer, deixar de amar: eu, você, o caído.”
Para responder a delicada questão do uso das drogas, a Igreja, de forma concreta, através da pastoral da sobriedade, enfrenta o problema social da exclusão, miséria e violência. A pastoral da sobriedade é uma ação da igreja católica com uma caminhada de 15 anos a nível nacional, onde todos os agentes são voluntários. São pessoas que já vivenciaram a problemática da dependência, ou que são apaixonadas pela causa social e aderem a pastoral para promoverem a vida. Em entrevista concedida ao Testemunho de Fé, informativo da Arquidiocese, Frei Fritz deu algumas explicações sobre a pastoral. Segundo ele, mesmo sendo um organismo da CNBB, nos grupos de autoajuda há pessoas de todas as crenças. Além de outras frentes de ação, a pastoral possui o programa dos “12 passos”, que são: admitir, confiar, entregar, arrepender, confessar, renascer, reparar, professar a fé, orar e vigiar, servir, celebrar e festejar. Para cada passo uma passagem bíblica, com uma pergunta que ajuda na reflexão e na pedagogia libertadora de Jesus, através da escuta e do acolhimento. A entrevista, na íntegra, pode ser conferida no site arquirio.org.br.
Conversamos também com dois acolhidos da casa de Betânia, Edson Gentileza e Adolfo Vilhalba, e também com uma das técnicas de Reabilitação em Dependência Química, Luciana Maria.
1 – Contem-nos um pouco das suas histórias, com quantos anos iniciaram no mundo das drogas?
Adolfo – Fui criado por uma tia e comecei com as bebidas aos 17, e aos 19 anos já trabalhava em uma agência de publicidade, onde o diretor comprou uma quantidade grande de droga para nós usarmos enquanto trabalhávamos na criação das campanhas; nessa época eu já cheirava cocaína pura. A partir daí eu segui minha vida, mas continuava com as drogas. No RJ conheci a minha esposa, construí família e tive duas filhas. Após 12 anos, uma crise financeira grande nos abateu, com muitas dívidas, bebendo e usando drogas eu não parava nas empresas e comecei a me afundar de vez, destruindo totalmente minha vida. Havia muitas brigas dentro de casa, o relacionamento com minhas filhas era muito triste, elas sofreram muito com nossas brigas e em meio a processos na justiça e agressões. Eu tentava ajudá-las, mas os problemas em casa continuavam, então não adiantava. Eu ficava em casa e ouvia uma voz dizendo que eu tinha que fumar, beber, fazer sexo, ir pra rua… Nessa época eu ficava 3 meses em casa e 3 nas ruas, depois fui ficando cada vez mais nas ruas, gastava todo o dinheiro do aluguel com prostitutas e com meus vícios. Hoje elas sabem que eu estou em tratamento em Betânia e já consigo conversar com elas. Eu estando longe delas à família segue vivendo, mas comigo perto era uma desgraça.
Edson – Sou filho de pais alcoólatras e descobri a dependência química ainda muito cedo. Ainda bebê meu pai assassinou minha mãe para roubar o dinheiro do gás e comprar cachaça. Nessa época meu irmão mais velho deu um jeito de ir parar na cadeia para matar meu pai. Logo eu fui entregue para adoção e já mais velho vim a descobrir toda a minha história. Aos 13 anos tive o primeiro contato com a bebida e o cigarro, e a partir daí toda a carga genética dos meus pais biológicos afloraram em mim. Depois do meu primeiro porre aos 13 anos, eu queria mais, nessa época eu também já fumava maconha e daí para outras substâncias foi um pulo. Aos 16, mesmo sendo menor, tive minha primeira internação em um sanatório para loucos, onde permaneci por 3 meses. Nessa época, rejeitado, usando drogas pesadas e vendo minha família sofrer, decidi ir embora de casa, isso já com 18. Nas ruas eu conheci a mãe das minhas filhas, ela também usava drogas. Tivemos duas meninas e vivemos muitos conflitos por alguns anos. Nossa primeira filha foi entregue para a minha irmã adotiva que a criou e a segunda mora com a mãe. Entre Rio, Bahia, Parati e São Paulo eu vivi pelas ruas, sem destino, vendendo artesanatos e livros de história, fumando maconha, cheirando cocaína e bebendo cachaça, até o dia em que, depois de muito sofrimento, de ter parte do corpo queimado, ter tomado tiro, facada e vivido muitas coisas ruins, eu saí desesperado e a pé pelas ruas, chorando muito e decidido a acabar com a minha própria vida, pois eu não via mais sentido nela. Neste momento um milagre aconteceu, eu escutei uma voz e senti a presença forte de Deus em mim. Logo em seguida escutei um barulho, me deparei com um carro parado, com o pneu furado e fui ajudar. Era do padre Geraldo, que acabou me trazendo para a casa de Betânia, onde eu estou desde então.
2 – O que os motivou a procurar ajuda na casa de Betânia?
Adolfo – Eu estava com a saúde muito debilitada, com 8 anos de vivência nas ruas eu já não aguentava mais, queria sair dessa droga, entender a minha vida.
Edson – Eu estava prestes a me suicidar, quando eu já não via mais sentido para minha vida. Em um relato no diário de Santa Faustina, nas aparições que Jesus teve, ele fala que a sua única tristeza é que o homem ainda duvide da sua misericórdia. Foi a misericórdia de Deus que me alcançou.
3 – Se tivessem a chance de falar hoje para uma geração inteira de jovens, que estão começando a trilhar a sua própria caminhada, que mensagem deixariam para eles?
Adolfo – Eu falaria de tudo que eu perdi, a minha esposa, minhas filhas, minha saúde, minha vida, dignidade, respeito, identidade… É fácil entrar no mundo das drogas, pode começar com um simples chope e muitas vezes terminar com a morte.
Edson – Que tudo isso é uma furada, um caminho sem volta. Essa geração é muito mais instruída, tem mais acesso a informação, a droga é para derrotados. Se eles querem fazer a diferença podem fazer de outro jeito, estando limpos, com dignidade. O mal só entra se você permitir, o inimigo pode forrar a mesa de drogas, mas a escolha é nossa, eu não nasci tomando dois litros de cachaça por dia, eu comecei com a cervejinha e um cigarrinho para impressionar a namorada. Qual a mensagem que Jesus deixou para nós? Amai-vos uns aos outros como eu vos amei! Deus é amor, tudo pode.
4 – Luciana fale um pouco do trabalho que você desenvolve com os acolhidos da casa?
Quando eles chegam passam por uma triagem e posteriormente são encaminhados ao serviço social. No dia a dia eu os acompanho, inicialmente através de um grupo de adaptação, onde conversamos e fazemos com que tenham um entendimento da dependência como uma doença crônica, citando a gravidade das suas consequências, além do grau de comprometimento psicológico e fisiológico ocasionados pela substância. Após o primeiro mês de adaptação eles são inseridos na programação da casa, passando a ter encontros semanais onde são realizadas tarefas e dinâmicas de ordem técnica e emocional, para que, entre outras coisas, possam se perceber e lidar com os seus sentimentos, como em um processo de autoconhecimento.
5 – Em relação à evolução no tratamento, de acordo com o acompanhamento de vocês, as respostas têm sido positivas? Quais são os maiores desafios em todo o processo?
Enquanto estão dentro da casa conseguimos perceber uma resposta muito positiva, mas o despertar deles em relação à consciência de que o tratamento não acaba aqui na casa, é um grande desafio. Temos um programa de planos e metas, que é de suma importância para o futuro da vida deles, aqui é o início do tratamento, a recuperação de verdade começará lá fora. Aqui estão em ambiente protegido, mas ao atravessarem o portão da saída irão se deparar com muitos riscos e terão que reconstruir sua própria rede de proteção.
6 – O que a nossa comunidade poderia fazer para ajudá-los de alguma forma?
Desde que fui convidada pela revista para a entrevista desta matéria, eu senti em meu coração o desejo de partilhar algo que tem me incomodado um pouco. A igreja é uma ferramenta de fundamental importância para o sucesso evolutivo na caminhada de recuperação dos acolhidos. Nos eventos da paróquia eles sentem-se estimulados a participar ajudando de alguma forma e assim são incentivados a fazer, visto que é saudável para o crescimento espiritual deles professarem a fé cristã e estarem em convívio com a comunidade paroquial. Mas, infelizmente, a situação é muito delicada, uma vez que os eventos têm bebida alcoólica e eles não podem ter esse tipo de contato. Já tivemos problemas em relação a isso. Então eu quero deixar aqui uma proposta de reflexão, para que juntos pensemos com carinho sobre esse desafio.
Fontes de pesquisa: Inpad/Lenad/Unodc
Assistidos da ASAB – Betânia Loreto.